INTRODUÇÃO
A revista Gibi não foi a primeira revista em quadrinhos do Brasil, nem foi a “maior” revista em termos de importância. poderia soar ofensivo a grandes publicações como O Tico Tico e Era uma Vez…, que ajudaram a consolidar as publicações de hqs em nossa terra.
Mas seu lugar na história dos quadrinhos no Brasil estava garantido já na primeira década em que a revista do grupo Globo circulou. A palavra gibi, “moleque” ou “negrinho”, competia com a Mirim (do tupi, e que significa pequeno) de Adolfo Aizen. Ambas eram diretamente vinculadas aos jornais de seus proprietários (O Globo e A Nação) cujo significado original remetia pejorativamente.
Antes de avançarmos, vale a pena verificar alguns dos significados atribuídos à palavra gibi. Esse retorno histórico é necessário pois o uso desta palavra está restrita, ainda que conste em alguns dicionários de Portugal, conforme poderemos ver a seguir (mas sem apresentar uso corrente).
No dicionário Priberam, a palavra apresenta a seguinte definição:
gibi
s. m.
1. Bras. Pop. Negro.
2. Tipo feio e grosseiro.
Como não é uma palavra de uso comum em Portugal, podemos tomar por essa definição o uso dado à palavra gibi no Brasil em sua origem, nas primeiras décadas do século XX. Já o dicionário Aurélio, em sua 7ª edição, gibi da seguinte maneira nos define:
SM. Brasi. 1. Nome registrado de determinada revista em quadrinhos, infanto-juvenil. 2. P.ext. Qualquer revista em quadrinhos.
Certamente, a definição do dicionário Aurélio se aproxima mais do que temos como entendimento do significado da palavra. Recorro ainda a mais uma definição, esta retirada do Dicionário contemporâneo da língua portuguesa Caldas Aulete:
(gi.bi) Bras.
sm.
1 Pop. Nome dado às revistas em quadrinhos, ger. infanto-juvenis: “Muitos leram gibi quando crianças e jovens.”
2 Gír. Menino negro; NEGRINHO.
[F.: De or.obsc.]
Não estar no gibi
1 Bras. Pop. Ser fora do comum, extraordinário: “O talento dela não está no gibi”.
A definição original do verbete (década de 1950) era: s. m. (Bras.) negrinho, moleque. (Rio de Janeiro) Revista de quadrinhos.
Estas duas últimas definições são as que elegi para este texto. Primeiro, pela importância histórico-cultural que a revista Gibi representa. Nenhuma das fontes ora pesquisadas citou a origem etimológicada palavra. Ressalvo que aceito como complemento a definição apresentada pelo dicionário Aurélio, que por extensão entende como gibi qualquer revista em quadrinhos.
HISTÓRIAS QUE NÃO ESTÃO NO GIBI
Em seu livro A guerra dos gibis (Companhia das Letras, 2004), o pesquisador carioca Gonçalo Júnior nos presenteia com os bastidores da formação do mercado editorial no Brasil e a censura aos quadrinhos. Sobretudo em sua primeira parte, em que narra o surgimento das revistas em quadrinhos e a rivalidade entre o jornalista Roberto Marinho e Adolfo Aizen (que veio a ser fundador da extinta EBAL), é um texto que mostra a dimensão e a importância dos quadrinhos para a consolidação de nossa imprensa.
Dessa disputa, a palavra gibi surge para nomear uma publicação de grande apelo popular destinada a um público fiel de jovens e ávidos leitores. Lançada no final da década de 30, podemos especular que o termo tenha ganhado força e se consolidado como sinônimo de histórias em quadrinhos nos dez anos que se seguiram ao seu lançamento.
Tão importante quanto esse fato é a mudança do sentido semântico da palavra, que em sua origem era um termo pejorativo e passa a denominar inicialmente um gênero literário, e mais recentemente um espaço imaginário. Essa mudança é um dos exemplos da apropriação do sentido pela língua oral, enfatizada pelo uso do termo pela mídia.
Os jornaleiros que vendiam as publicações de Aizen e Marinho em pouco tempo passaram também a ser chamados de gibi, daí o símbolo renovado da revista com chapéu de jornaleiro na década de 70.
Com tiragens na casa dos milhares, as revistas das décadas iniciais da imprensa brasileira agiam como catalisadoras do imaginário de centenas de milhares de jovens. A figura do negro no logotipo da Gibi integrava esse imaginário. Aos poucos, o próprio termo (usado principalmente no Rio de Janeiro) caiu em desuso e passou a ser simplesmente sinônimode revista de quadrinhos.
Pelas páginas da extinta revista Gibi foram introduzidos personagens que hoje fazem parte da história universal dos quadrinhos, como Ferdinando e, dentre muitos outros. Brucutu
As mudanças no sentido da palavra começam a ser mais sentidas com a mudança das grandes editoras do Rio de Janeiro para São Paulo. Vale lembrar que o uso corrente da expressão gibi era muito difundido no Rio e pouco em São Paulo. Ali começava uma nova fase da palavra gibi.
Hoje é comum a um cidadão utilizar a expressão “não está no gibi” sem a obrigatoriedade de estar recorrendo à revista em quadrinhos. Agora gibi é lugar, terra fantástica onde estão as coisas incríveis ou inacreditáveis.
O autor de TAZ (Zona Autônoma Temporária, em inglês), Hakim Bey, nos descreve este século (XXI) como o primeiro no qual não existem terras incógnitas. Tudo foi descoberto, tudo foi conquistado, num pensamento de estado capitalista, onde não existe o novo e tudo possui uma propriedade. Apesar de concordar plenamente com o autor, levanto a questão que limita a definição de “terra incógnita”.
Para nós do território das letras, os significados e os significantes assumem esse papel mágico de terra incógnita. Ainda que convergentes na língua portuguesa, para um português de nascença, gibi jamais será sinônimo de revista em quadrinhos, e quadrinhos para um brasileiro jamais será banda desenhada. Por essa perspectiva ainda temos muito o que descobrir.
Há, no entanto, o estrangeirismo convergente, aquele que fez com que novos autores (brasileiros e portugueses) optassem por utilizar o termo estadunidense graphic novel para denominar suas publicações, em detrimento algumas vezes de nosso querido gibi.
12 de abril de 1939
Em 12 de abril de 1939, numa quarta-feira, chegava às bancas do país uma revista em quadrinhos chamada Gibi. Hoje, em 12 de abril de 2010, ainda podemos chegar a uma banca de revista, a um comic shop, e questionar o vendedor: “Quanto custa este gibi?”. Certamente, ele saberá que não estamos falando de outra coisa que não seja uma revista em quadrinhos.
Sete décadas depois, torcemos para que a história do gibi no Brasil continue em sua forma impressa, e agora também digital, como um dos símbolos da formação de nossa identidade cultural.
Não há correlato em nenhum país de língua portuguesa para a palavra gibi, que originalmente era sinônimo de “garoto” ou “negrinho” e usada muitas vezes de modo pejorativo. Para concorrer com a revista Mirim, de Adolfo Aizen, o Grupo Globo lançou, numa quarta feira, 12 de abril de 1939, a revista Gibi, que estampava em sua capa um garoto negro e a palavra Pelé. A história dos quadrinhos no Brasil começava a trilhar seus próprios caminhos.
Adotada como sinônimo de “revistas em quadrinhos”, a palavra gibi suplantou o termo banda desenhada (oriundo de Portugal e demais países de língua portuguesa), bem como os termos historieta e comics (utilizados na Ámerica hispânica). Toda e qualquer revista em quadrinhos era agora um “gibi” dentro de nossas fronteiras.
Devido a sua importância cultural, chega a ser uma injustiça que a data seja tão pouco lembrada. A história da mudança pela qual a palavra passou ao longo das décadas é tão interessante como a de um herói dos gibis.
No intuito de tentar amenizar esse esquecimento, o Coletivo de Pesquisa em Quadrinhos (CPQ), formado por alunos da UFMG, preparou algumas pequenas atividades de âmbito acadêmico que possam refletir sobre a história do gibi no Brasil.
Na FALE, com apoio do Núcleo de Estudos Canadenses (NEC), ocorrerá a gravação do primeiro documentário sobre quadrinhos no Brasil, intitulado Memórias que não estão no Gibi, com Fabiano Barroso, editor da premiada revista Graffiti 76% Quadrinhos, que completa 15 anos neste ano de 2010. A gravação terá legendas em francês e será veiculada posteriormente na web sob uma licença creative commons.
Veja abaixo a programação que contará também com a participação especial da professora Dra. Regina Lúcia Peret Dell Isola.
Durante todo o encontro, agendado para ocorrer à partir das 15 horas na sala 3051C da Faculdade de Letras, quadrinistas, fãs e pesquisadores diversos discutirão o futuro dos quadrinhos na universidade, a política de acervo de quadrinhos e a formação de uma Gibiteca Universitária, uma necessidade para qualquer pesquisador que deseje se aventurar pela nona arte.
Em ato simbólico, os autores dedicarão suas publicações para a Gibiteca Universitária, que posteriormente será encaminhada como parte do projeto de implantação de um sistema de acervo de quadrinhos na UFMG. Entendemos este como o primeiro passo para valorizar as histórias em quadrinhos e sua memória na academia.
Programação Resumida:
O Quadrinho no imaginário popular
Prof. Dra. Regina Peret (FALE/UFMG) , Amauri de Paula(editor e membro do CPQ e Erick Azevedo (pesquisador e roteirista de quadrinhos)
Bate Papo com autores Chantal (Estado de Minas), Fabiano Barroso (revista Graffiti) e Welligton Santos (Revista Vulto).
Gravação da primeira parte do documentário “Graffiti 15 anos depois” com Fabiano Barroso, um dos editores da revista.
GIBI – 71 anos depois
O Poder do quadrinho no imaginário popular
12 de abril de 2010
15 horas
D.A. Letras
Faculdade de Letras/UFMG
COLETIVO DE PESQUISA EM QUADRINHOS
O Coletivo de Pesquisa em Quadrinhos foi uma iniciativa de alunos do curso de Letras da FALE/UFMG em 2010, com o apoio da Associação Nação HQ e da editora Emcomum Estúdio Livre, e teve como principal objetivo criar um movimento com a intenção de disponibilizar material de pesquisa para os interessados na nona arte, e viabilizar o acesso a pesquisadores e profissionais ligados ao universo das histórias em quadrinhos no âmbito da universidade.
Contando com cerca de 15 associados, o Coletivo disponibilizou artigos, organizou eventos, publicou um livro e realizou ações de difusão dos quadrinhos.
Ilustração do cartaz: Laz Muniz (www.lazmuniz.com)